Crítica | Corra!

O terror e a comédia partem da mesma premissa: acumular tensão e liberá-la; no primeiro, através do susto e no último através da risada. Então não deveria ser grande surpresa que alguém como Jordan Peele, famoso por seus esquetes de humor, domine o gênero “oposto". A cena inicial de Corra! demonstra que, apesar de ser a estreia de Peele como diretor, ele domina a arte brilhantemente. Em um plano sequência muito bem ensaiado, temos uma amostra do que virá a seguir.

O primeiro ato do filme pode parecer simples. Um homem negro, Chris (Daniel Kaluuya), irá visitar a família de Rose Armitage (Allison Williams), sua namorada branca, no interior. Os Armitage não são estadunidenses supremacistas estereotipados com uma bandeira da Confederação, mas sim liberais brancos. E é assim que o filme se torna incrivelmente satírico. “Eu votaria no Obama em uma terceira vez se pudesse!” diz o pai de Rose, em uma tentativa de mostrar como ele não é racista. Todas as interações da família com Chris são marcadas pelo seu desejo de incluí-lo ao referenciar elementos da cultura negra, e consequentemente deixam-no cada vez mais desconfortável e isolado.

Logo de início, o espectador percebe que algo não está certo. Além do racismo “sutil”, todos estão agindo de modo muito estranho. A presença dos trabalhadores da casa, todos negros, deixa a situação ainda mais esquisita. Se o espectador estiver bem atento aos detalhes e pistas oferecidos, o filme pode parecer um tanto previsível. Porém a construção da tensão e suspense é magistralmente controlada, e o longa toma um caminho diferente, surpreendendo o espectador que acreditava estar a par da narrativa.

Outro ponto alto do longa é a trilha sonora, bem no estilo hitchcockiano, com sons altos que criam um suspense quase insuportável. O filme em alguns momentos cai para clichês de jump scares desnecessários, considerando que a trama em si já é suficientemente assustadora, mas podem ser vistos como um alívio de tensão para um horror psicológico e passivo-agressivo. Peele faz jus à sua carreira na comédia com alívios cômicos bem colocados e hilários, em grande parte graças a Rod (Lil Rel Howery).

Em suma, Corra! pode ser considerado um thriller social, tanto por sua capacidade de discutir temas complexos através de diferentes lentes, como um filme incrivelmente envolvente para o público geral. É um filme de gênero muito refrescante e criativo, provando que o pior monstro é sempre o ser humano.