Crítica | Death Note

A grandiosidade de Death Note sempre esteve em seu roteiro bem elaborado. Seja nos planos mirabolantes e muito bem esquematizados de Kira, ou na maneira como a história era conduzida, ou em como o anime/mangá colocava em questão dilemas atemporais, como mortalidade, moralidade e quem decide quem vive e quem morre. Adam Wingard (diretor do mais recente Bruxa de Blair), numa tentativa de pegar o melhor do anime e utilizar da maneira que mais o convém, falha em reproduzir na adaptação os dilemas colocados em questão e a condução genial da história.
Já era sabido que a adaptação da Netflix tomaria diversas liberdades criativas, até porque isso já estava na essência do projeto, que foi americanizado. E como já ficou bem estabelecido em adaptações cinematográficas, essas tais liberdades criativas muitas vezes funcionam para mastigar uma história densa para um público que não conhece o material original. Entretanto, o diretor Wingard resolveu simplesmente pegar alguns elementos do anime e utilizá-los como bem entendia. Com exceção dos personagens - muito descaracterizados -, o caderno e algumas situações peculiares do anime, o filme não tem nada relacionado a seu material de origem.
Os dilemas sobre se Kira realmente deve ter o poder de matar quem bem entende não são bem desenvolvidos, fazendo com que a ambiguidade característica do personagem - alguém que tem o poder de matar qualquer um, e que tenta fazer o bem, matando apenas criminosos, ao mesmo tempo em que se torna o juiz, júri e executor - seja totalmente esquecida. A reflexão que o anime deixa sobre mortalidade também é deixada de lado, restando pouco, portanto, da essência filosófica que Death Note sempre teve.
Os personagens do filme também são totalmente descaracterizados. Light (Nat Wolff) não remete em nada ao personagem conhecido pelos fãs. A serenidade inerente do garoto; sua genialidade em bolar planos mirabolantes e extremamente bem esquematizados; seu gene manipulador e carismático ao mesmo tempo; sua frieza em relação ao poder que tem em mãos; tudo isso é ignorado a fim de criar um Light norte-americano perdedor, que sofre bullying e que serve como marionete nas mãos da garota que ama, fazendo com que mais pareça um personagem novo do que qualquer outra coisa.
L (Keith Stanfield) também foi outro totalmente modificado - e aqui não me refiro à sua cor de pele, até porque nenhum dos personagens remete à sua naturalidade original -, não tendo a compostura que o personagem do anime tem, mais remetendo a um garoto desesperado e chorão do que ao detetive calmo, estrategista, sereno e calculista do mangá. As peculiaridades de L - como por exemplo o vício em chocolate, o modo como se senta nas cadeiras - funcionam como easter-eggs em meio a uma interpretação que foge completamente da figura característica do personagem.
Os efeitos especiais também se mostram chulos e extremamente pobres. O shinigami Ryuk (dublado por Willem DaFoe) - que por sinal é a melhor coisa do filme (ainda que também seja bem ruim) - serve para assustar o espectador, e não é por ser feio, mas por ser muito mal feito. A computação gráfica no personagem beira o ridículo e é impossível não comparar com o Ryuk da adaptação cinematográfica japonesa, que é incrivelmente melhor.
Entretanto, apesar de todas essas liberdades criativas incomodarem bastante, o que mais pesa é a história pífia. Jeremy Slater (conhecido pelo mais recente Quarteto Fantástico) é o responsável pelo roteiro, e em grande parte, pelo erro grotesco do filme. Como já dito, as poucas coisas fiéis ao material original são apenas utilizadas no meio de uma história criada apenas para o filme. Todos os momentos marcantes do anime/mangá são jogados no lixo para dar lugar a uma trama inédita, com mais ação, mais perseguição policial e mais romance - até certo ponto. A cronologia do anime é basicamente ignorada, e como se isso já não fosse ruim o bastante, a tal trama inédita é péssima, mais parecendo um filme de suspense com baixo orçamento. Por fim, além de exageros desnecessários, efeitos especiais pueris e atuações beirando o ridículo, o filme não acrescenta em nada na mitologia de Death Note como um todo.
Adaptar Death Note não é uma tarefa fácil, especialmente em um único filme. E por mais que fique a impressão de que é a falta de fidelidade que estraga o longa - esse é sim um dos motivos -, o que realmente pesa de fato é sua falta de qualidade. O filme original da Netflix falha miseravelmente em trazer uma história nova de peso, apresentando, em vez disso, personagens que ninguém se importa já que eles não remetem em nada aos do material original. Adam Wingard parece não encontrar o equilíbrio necessário para uma obra agradável a dois públicos diferentes, e para piorar, acaba não agradando nenhum. E a impressão final que fica é a de que o diretor e o roteirista ignoraram completamente a história de base e não souberam o que fazer com o que tinham em mãos.

Direção: Adam Wingard
Roteiro: Jeremy Slater
Elenco: Nat Wolff, Keith Stanfield, Willem DaFoe e Margaret Qualley
Distribuidora: Netflix
Data de lançamento no Brasil: 25/08/2017