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Crítica | Polícia Federal: A Lei é Para Todos


De tempos em tempos, o cinema brasileiro consegue fugir de seu fatídico costume: os filmes de comédia. Não que o gênero não seja bem-vindo, mas a falta de novidade e de um respiro para o mercado é algo que sempre frustrou muitos brasileiros. Filmes como Tropa de Elite, Cidade de Deus, Que Horas Ela Volta e Aquarius - entre outros - são alguns que conseguem escapar do hábito, e finalmente reinventar o cinema nacional. Polícia Federal: A Lei é Para Todos é mais um nessa linha diferenciada. Mesmo carregando alguns problemas estruturais, propõe um ótimo thriller, algo não visto em um bom tempo no cinema brasileiro.


A trama, como evidente pelo título do filme, retrata a história da Operação Lava Jato por um ponto de vista mais intimista, mostrando os bastidores do trabalho da Polícia Federal. A história começa desde antes da operação ser nem mesmo nomeada, passando por algumas de suas fases mais famosas - como a prisão de Paulo Roberto Costa, a de Alberto Youssef, a condução coercitiva do ex-presidente Lula e a prisão preventiva de Marcelo Odebrecht. Tudo isso do ponto de vista da PF, claro.


O ponto mais interessante do longa é a visão do diretor Marcelo Antunez (de Até Que a Sorte nos Separe 3), que buscou transformar o filme em um thriller, fugindo bastante dos usuais filmes nacionais. Utilizando como referência filmes como Spotlight, Todos os Homens do Presidente e alguns de Oliver Stone, o cineasta tenta trazer uma sensação de tensão constante durante todo o filme. Apesar de algumas poucas cenas de ação, fica bem claro durante a trama que o foco do diretor está em criar uma história cheia de mistério, investigação e algumas reviravoltas.


Também mérito de Antunez é a construção estética do filme, bastante peculiar. Buscando dar destaque apenas para os personagens e suas feições/reações, o diretor busca abstrair o figurino, cenário e fotografia. Marcelo consegue isso fundindo o cenário e os figurinos, utilizando cores similares para que nada se destaque, tudo em função de que os personagens e seus traços sejam o grande destaque em tela. Para isso, o diretor também insistiu em utilizar uma paleta de cores fria para que a única cor viva e quente em cena fosse a da pele dos protagonistas.


Entretanto, por mais que Antunez faça um bom trabalho em criar uma trama investigativa intrigante e atrativa para o público, o cineasta tem sérios problemas em conseguir amarrar a trama e em dirigir algumas cenas. Como o próprio Marcelo disse em entrevista, seu propósito nunca foi o de documentar um acontecimento histórico, mas de criar uma trama fictícia a partir de eventos reais. Mas ao tomar suas liberdades criativas, o diretor - junto dos roteiristas Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein - acaba utilizando diversas coincidências sem nexo para que tudo se resolva rapidamente.


Nas cenas de ação, Marcelo não consegue se resolver muito bem. Na perseguição que termina com o caminhão de palmito apreendido - que na vida real foi praticamente o início da Lava Jato -, o diretor se utiliza de cortes contínuos, deixando o espectador perdido. Em outro momento, quando a Polícia Federal está à procura de Alberto Youssef, a cena subestima a inteligência do espectador pela falta de preparo por parte da PF e também pela direção fraca do diretor.


Em relação às interpretações, o filme tem seus destaques e seus insucessos. Antonio Calloni (que vive o delegado Ivan) traz uma boa versão cinematográfica - com suas devidas liberdades criativas tomadas - do delegado Igor Romário de Paula. Flávia Alessandra (vive uma compilação de todas as mulheres envolvidas na Lava Jato, mais especificamente da delegada Érika Marena) faz um ótimo trabalho, mostrando feminilidade e bravura concomitantemente.


Os atores que vivem personagens reais da história, tem suas incongruências. Ary Fontoura (que vive o ex-presidente Lula) faz um ótimo trabalho, imitando as particularidades do ex-presidente muito bem, mas acaba soando estranho o fato de que o personagem tem todos os dedos, por exemplo. Marcelo Serrado (intérprete de Sérgio Moro) é o grande destaque do elenco. Sereno, calmo, calculista e respeitável, ele traz uma interpretação digna de aplauso do juiz da 13ª vara, mostrando mais uma vez sua capacidade de ser multifacetado.


O grande problema do filme fica por conta de sua incapacidade de se decidir como documentário ou apenas um filme baseado em fatos. Por um lado, há uma clara tentativa de elucidar a história da Lava Jato - mesmo que por um ponto de vista pouco usual -, mastigando toda a história, tornando-a menos densa e burocrática. Por outro, o filme não se amarra a certos fatores primários. Até mesmo coisas simples como Lula ter todos os dedos, ou a forma como representa certas situações com pouco apego à realidade.


Além disso, Marcelo Antunez não consegue fugir do maniqueísmo de que tanto tentou escapar. O diretor afirmou diversas vezes que o filme não tem nenhuma tentativa de influenciar politicamente qualquer dos "lados", mas sim de manter o debate vivo. Entretanto, o cineasta acaba transformando a história num típico filme hollywoodiano de um embate da polícia ao sistema corrupto. Até mesmo frases clichês como "o Brasil é corrupto desde 1500" ou "o sistema não quer mudar" estimulam isso. Além da maneira como deixam até mesmo o próprio Lula soando como um vilão que vai se vingar da PF depois da condução coercitiva.


Apesar dos altos e baixos, o filme cumpre seus dois propósitos, mesmo que indiretamente: o de manter o debate sobre a Lava Jato e o combate à corrupção ativo, mesmo que de uma maneira menos realista, e o de escapar das comédias clichês que tanto saturam o catálogo cinematográfico brasileiro. Com um thriller bastante intrigante, tenso e até mesmo divertido de se assistir, Marcelo Antunez adere ao repertório cinematográfico nacional, e fala de um tema bastante importante, mesmo que de maneira mais romantizada. Polícia Federal: A Lei é Para Todos traz boas atuações, uma trama instigante - apesar de simplória - e agrada, apesar do maniqueísmo enrustido.


Direção: Marcelo Antunez

Roteiro: Thomas Stavros e Gustavo Lipsztein

Elenco: Flávia Alessandra, Antonio Calloni, Marcelo Serrado, Ary Fontoura

Data de lançamento no Brasil: 7/09/2017

Distribuidora: Downtown Filmes


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