Crítica | Entre Irmãs

É comum resgatarmos alguns estereótipos quando pensamos em filmes brasileiros. Antes mesmo de saber do que se trata, torcemos o nariz e assumimos a ideia de uma comédia mais do mesmo ou o retrato envelhecido de problemas sociais trabalhados sob a mesma ótica narrativa. Entre Irmãs estreou, no entanto, para distorcer os narizes, quebrar expectativas e provar a riqueza temática do cinema nacional.
Dirigido por Breno Silveira (Dois Filhos de Francisco) e roteirizado por Patrícia Andrade, o enredo de Entre Irmãs foi baseado no livro 'A Costureira e o Cangaceiro de Frances de Pontes Peebles' - que participou ativamente na adaptação do roteiro. A história gira em torno das trajetórias distintas de duas irmãs, separadas pelo destino em um Brasil contraditório da década de 1930.
A trama tem início no interior de Pernambuco, onde as duas irmãs crescem sob a tutela da tia Sofia (Cyria Coentro). Desde pequenas, como atestado pela primeira cena do filme, Emília (interpretada posteriormente por Marjorie Estiano) e Luzia (Nanda Torres) apresentam personalidades marcantes e diferentes entre si , fato que não impede a força da ligação entre elas. Essa dinâmica funciona quase como se as causas e consequências de suas ações fossem ditadas pela conexão que compartilham, e essa premissa continua a reafirmar-se ao longo de toda a narrativa.
Tanto Emília quanto Luzia vivem a vida costurando sonhos e ideias de uma realidade inalcançável; a primeira deseja viver como as garotas da capital, buscando meios para concretizar seus objetivos. Já Luzia, apesar de ser consciente do mundo que a cerca, também encontra as próprias maneiras de escapar do destino imposto à ela. As atuações de Marjorie e Nanda merecem destaque pela densidade e sensibilidade ao assumirem a construção da personalidade das personagens, que passam por drásticas mudanças à medida que a trama avança.
Como consequência de uma das escapadas de Luzia, a vida das irmãs sofre uma reviravolta quando o bando dos cangaceiros, que na época ditavam as leis do sertão, decide leva-la consigo sob custódia do líder Carcará, brilhantemente interpretado por Júlio Machado e inspirado pela figura histórica de Lampião. A partir desse ponto, as duas seguem caminhos brutalmente opostos; meses após a partida da irmã, Emília casa-se com Vegas, um rapaz de família rica, e parte rumo a vida na capital.
Em uma emocionante mescla entre realidade e ficção, Entre Irmãs traz à tona questões atuais sob a luz de um passado estudado meticulosamente. Violência, intolerância, preconceito, protagonismo feminino, e a luta pela identidade são temas que rondam ambas as trajetórias, e ajudam a expor as fragilidades de um Brasil formado por realidades diversas. O deslocamento do eixo São Paulo-Rio também permite transformar o panorama já conhecido e explorar novas oportunidades no enredo.
Para abrigar todas essas facetas a narrativa do filme por vezes pode parecer arrastada e a longa duração (duas horas e quinze) faz com que haja momentos de dispersão. Ainda assim, é impossível ignorar o trabalho meticuloso que foi realizado na composição de todos os elementos, desde a fotografia até a escolha das locações - as gravações foram feitas em pontos históricos do período. Silveira ganhou destaque trabalhando o Nordeste em Gonzaga e Dois Filhos de Francisco, mas trouxe com a ajuda do roteiro de Andrade, a perspectiva da força feminina em cada detalhe.
Assistir à Entre Irmãs é como relembrar conexões há muito esquecidas, repensar escolhas e pesar consequências. É como assistir à um reflexo de um Brasil órfão e não tão distante. É a confirmação de que, aos poucos, estamos transformando os velhos estereótipos em algo inteiramente novo.

Direção: Breno Silveira
Elenco: Nanda Costa, Marjorie Estiano, Júlio Machado
Duração: 2h 15min
Data de lançamento: 12 de outubro de 2017
Nacionalidade: Brasileiro