Crítica | O Justiceiro - 1ª Temporada

Desde 2015, com a estreia da primeira temporada de Demolidor, a ideia da parceria entre Marvel e Netflix vêm se mostrado evidente: criar títulos, onde o selo Marvel seja acompanhado de classificação indicativa +18, baseados nas histórias mais sórdidas e sombrias de certos heróis da Casa das Ideias. Afinal, com o perfil do Universo Cinematográfico Marvel completamente estabelecido desde 2008, seria impossível mostrar determinados personagens nas telonas sem que os mesmos sofressem uma grande perda em sua carga dramática, uma vez que seu desenvolvimento nos filmes dependeria de um conteúdo adulto completamente explícito (o que dificilmente veremos acompanhando Os Vingadores e outros personagens desse Universo). E verdade seja dita: tal parceria foi uma das melhores coisas que aconteceram para tais personagens e para os fãs da Marvel.
Com uma proposta bem diferente da do Cinema, a Netflix vem trabalhando na criação de histórias Marvel, voltadas para um público mais velho, de forma muito competente. Entretanto, deve-se dizer que esse “teor adulto” não havia sido tão bem explorado em outras séries quanto foi através da história de Frank Castle (Jon Bernthal), em O Justiceiro. A história da série se passa após os feitos finais de Frank na segunda temporada de Demolidor (2016), onde após ter encerrado o seu “trabalho” (pelo menos até onde sabia), o anti-herói busca viver, sob o nome de Pete Castiglione, da maneira que for possível.
Diferentemente de outros títulos como Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro, a sensação de estar acompanhando uma história que se passa em meio à um mundo abarrotado de pessoas dotadas de superpoderes é inexistente em O Justiceiro. Esse “ar” de super-heroísmo, tão recorrente nos outros seriados, é inexistente na nova série. Qualquer menção à acontecimentos relacionados aos Vingadores (o que era comum nos outros seriados), ou sequer aos Defensores, é jogada de lado, fazendo com que, por vezes, o espectador acabe se “esquecendo” de que está assistindo à uma adaptação televisiva de um dos personagens da Marvel Comics (salvo pela grande caveira desenhada no colete de Frank Castle, símbolo máximo do Justiceiro que não passaria despercebido dos fãs). Mas de forma alguma esse aspecto é prejudicial à série. Muito pelo contrário, é essencial.
Um dos discursos proferidos durante a trama é sim sobre heróis: sobre aqueles que arriscaram suas vidas lutando guerras pela sua pátria. A série aborda esse tema de uma maneira muito delicada, e é interessante ver como o roteiro dialoga com essas pessoas, sendo Castle uma delas. O Justiceiro não é um herói, diferentemente do que Frank um dia já foi (ou pelo menos pensava ter sido). Diante disso, Frank passa a ser um refém do seu passado, o que atribui um grande peso dramático ao personagem.
Mas vai além disso. A série busca explorar homens e mulheres que serviram seu país durante toda a sua vida, e a partir do momento em que estes percebem que o sistema (o qual sempre defenderam) é sujo e cheio de corrupção, passam a questionar qual o significado de toda a sua dedicação. “Um sistema corrupto acaba por corromper boas pessoas”. Tal ideia é extremamente presente no seriado e se mostra como sendo um dos pontos mais fortes do roteiro. A grande crítica sociopolítica presente em O Justiceiro é a característica mais marcante de toda a série, moldando toda a narrativa da primeira temporada. Sem sombra de dúvidas isso faz do novo título da Marvel com a Netflix o mais importante e complexo dentre os anteriores. Afinal, além de abordar a problemática da corrupção, a série traz outras questões completamente atuais, como por exemplo, a intensa discussão sobre o porte de armas, que em determinado momento se torna crucial para o desenrolar da história.
Entretanto, toda a discussão política por trás de O Justiceiro não faz com que a série se torne monótona ou arrastada. Longe disso. Com ótimas cenas de ação e muito frenesi envolvido, a história é contada ao ritmo de disparos. A narrativa é fluida durante todos os 13 episódios, sem entediar o espectador. Além disso, por mais que o roteiro seja confuso em alguns poucos momentos, a trama é bem centrada nela mesma, deixando poucos ganchos para o futuro do seriado. Sobre a quantidade abundante de violência gráfica de O Justiceiro: nada é gratuito! A brutalidade explícita presente na série é fundamental para que a história do Justiceiro seja contada.
Os personagens, no geral, também são bem escritos e satisfatoriamente interpretados. Jon Bernthal assume o manto do Justiceiro com dignidade e também apresenta um autêntico Frank Castle. Os fãs certamente irão enxergar o conhecido personagem dos quadrinhos nas telas. Também deve-se destacar os trabalhos de Amber Rose Revah e Ebon Moss-Bachrach, que dão vida, respectivamente, à agente especial Dinah Madani e ao hacker e conhecido parceiro de Castle nas HQs, Micro. Tanto Madani quanto Micro são introduzidos como vítimas da depravação do sistema. Vale também ressaltar que a relação entre Castle e Micro é muito bem explorada, tendo a família do hacker se mostrado uma excelente solução para o estabelecimento de tal. Já os antagonistas não agradam tanto. Nenhum deles é tão bem trabalhado quanto os demais personagens, o que faz, no final das contas, com que não sejam memoráveis (pelo menos não até o momento, levando em consideração um dos ganchos deixado para o futuro da série). Entretanto, isso acaba não sendo um grande problema, tendo em vista que a principal intenção do seriado é colocar a corrupção como uma espécie de grande “vilã” da trama (o que é perfeitamente acertado).
Certamente, O Justiceiro tem sua importância para os tempos modernos. Por mais que seu foco seja os Estados Unidos da América, os discursos emitidos (todos extremamente significativos) acabam, no final das contas, por abranger um âmbito internacional. E isso faz com que a série seja respeitável. Afinal, mostra como o universo das histórias em quadrinhos (mesmo que adaptadas para televisão/cinema) pode trazer sérias questões atuais à serem debatidas. Se nas próximas temporadas teremos o mesmo teor de complexidade, é um mistério. Mas pode-se dizer que O Justiceiro, no momento, é mais um grande acerto da parceria entre Marvel e Netflix.

Elenco: Jon Bernthal; Amber Rose Revah; Ebon Moss-Bachrach; Ben Barnes; Paul Schulze; Deborah Ann Woll;
Estreia: 17/11/2017
Produção: Netflix